Por Bernard E. Harcourt, trad. Maira Souza Moreira
Em um momento em que as ideias e a pedagogia de Paulo Freire estão sob ataque, especialmente no Brasil, seu país natal, é particularmente importante retornar aos seus escritos, não apenas para descobrir novos movimentos críticos a serem realizados em nossas próprias lutas políticas contemporâneas – com efeito, envolver-se no tipo de leitura crítica proposta na Crítica 13/13 – mas também ressaltar o que torna o trabalho de Freire tão ameaçador hoje. É, talvez, um sinal claro de uma teoria crítica bem sucedida que é difamada e responsabilizada por desestabilizar a ordem social. O próprio Freire entendeu bem isso e descreveu as prováveis ”reações negativas em vários leitores” que seu trabalho e projeto pedagógico provocariam. [i] Freire antecipou que muitos “não aceitarão (ou não desejarão) minha denúncia de um estado de opressão que gratifica os opressores”. [ii] Por esse motivo, ele prefaciou seu agora famoso livro nos seguintes termos: “este trabalho reconhecidamente experimental é para radicais”. [iii]
De fato, Freire revolucionou a maneira como abordamos nossa tarefa como educadores – especialmente para aqueles de nós que a encaram como teóricos críticos. Obviamente, ele não foi o primeiro a desafiar os modelos tradicionais de educação que viam o aluno como um recipiente vazio a ser preenchido com o conhecimento do mestre. Sócrates, muito antes dele, Rousseau durante o Iluminismo, John Dewey e Francis Parker no início do século XX – muitos desafiaram os modelos tradicionais de educação e destacaram o valor da prática, do fazer. Mas ninguém enquadrou o desafio tão diretamente na linguagem da práxis crítica. Ninguém colocou tão claramente a questão da educação no quadro da teoria crítica e de um projeto emancipatório guiado pela ambição de uma sociedade mais igualitária e justa. O trabalho de Freire é único a esse respeito e, como resultado, ameaça exclusivamente o status quo.
O objetivo da emancipação humana anima o projeto de Freire: empoderar pessoas desfavorecidas a libertarem a si mesmas e, ao mesmo tempo, libertar aqueles que se aproveitam delas. O método que ele desenvolve é simples: dialogar com aqueles que estão em desvantagem, a fim de despertar suas próprias reflexões e ações – com efeito, tratar todos os outros como sujeitos plenamente iguais e conhecedores. Freire coloca a unidade da teoria e da práxis no cerne de sua análise e ressalta a noção de “unidade”: é somente quando a reflexão está ligada à ação que as pessoas compreendem e superam completamente sua condição.
O ponto central de Freire é que aqueles que estão em desvantagem conhecem bem os modos de exploração que os unem. Através do diálogo, do intercâmbio e do engajamento prático – através da reflexão e da ação – eles podem entender completamente como estão sendo explorados, os métodos de sua própria dominação e podem descobrir os meios mais eficazes para resistir e superar sua exploração. Ao se conscientizarem, passam por um processo de autotransformação, de modo que, depois de compreenderem os modos de exploração que os unem, superam seu primeiro desejo instintivo de se tornarem os que exploram e finalmente aprendem a combater sua exploração. No processo, eles se libertam, mas também quem os aprisiona.
O livro de Freire e sua pedagogia tiveram uma influência extraordinária na educação em nível internacional, especialmente nos Estados Unidos. Tanto que, de fato, suas ideias se tornaram um tanto generalizadas e despojadas de suas políticas mais radicais. Hoje, cinquenta anos após sua publicação, porém, a Pedagogia do Oprimido de Freire está sob ataque, acusada de estar na raiz do que hoje é chamado de “Marxismo Cultural” – um termo que, como mostra o historiador da Universidade de Yale Samuel Moyns, tem uma longa história tóxica.
Como, então, podemos implantar o texto e as ideias de Freire hoje em nossas lutas políticas contemporâneas? Que trabalho podemos fazer retornando ao seu texto crítico? Essas são as perguntas que abordaremos na Crítica 4/13.
Temos o prazer de nos reunir na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro para discutir o trabalho de Paulo Freire com os brilhantes estudiosos e educadores, Maria Inês Marcondes de Souza (professora e diretora do Departamento de Educação da PUC-Rio), Cecilia Boal (diretora do “Teatro do Oprimido” e Psicanalista), Alessandra Vannucci (professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e diretora de teatro) e Antonio Pele (professor da Faculdade de Direito da PUC-Rio).
Bem-vindos à Crítica 4/13!
Notas
[i] Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido (Nova York: Continuum, 1968), 21.
[ii] Ibidem.
[iii] Ibidem. Freire acrescentou aqui: “Estou certo de que cristãos e marxistas, embora possam discordar de mim em parte ou no todo, continuarão lendo até o fim. Mas o leitor que dogmaticamente assume posições “irracionais” fechadas rejeitará o diálogo que espero que este livro abra. ” (21)