Maria Inês Marcondes | Freire Como Autor Internacional: Pedagogia Do Oprimido Em Língua Inglesa Publicada 50 Anos Atrás (Versão em Português)

Por Maria Inês Marcondes, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Translated by Andreu Wilson 

O livro Pedagogia do Oprimido (PO) é considerado um dos dez livros mais importantes de currículo do século XX por indicação da Associação Americana pelo Desenvolvimento dos Estudos Curriculares (American Association for the Advancement of Curriculum Studies – AAACS). Para compreender Pedagogia do Oprimido, que teve sua primeira publicação em inglês em 1970, não se pode deixar de ler Pedagogia da Esperança (1992), livro em que o próprio Freire faz uma narrativa reflexiva sobre sua própria vida.

As questões de nossa pesquisa são: Por que Paulo Freire é considerado um autor internacional? Como ele influenciou o contexto internacional dos estudos curriculares, inicialmente com a publicação da obra PO em língua inglesa, há cinqüenta anos atrás.

A pesquisa mostra que a experiência internacional decorrente do exílio imposto a Freire traz uma nova dimensão para sua obra.

Sua permanência no Chile, tendo contato com sindicalistas e trabalhadores, redefiniu sua tese, Educação e Atualidade Brasileira, publicada como livro intitulado Educação como Prática da Liberdade e ampliou sua reflexão para a finalização do texto da Pedagogia do Oprimido, que termina de rever no Chile. Sua permanência nos Estados Unidos em contato permanente com trabalhadores e intelectuais, assim como sua experiência no Conselho Mundial de Igrejas, possibilitaram a Freire ter contato com outros países e realidades diferentes.

Nessas constantes viagens, Freire é influenciado pelo contexto internacional assim como influencia muitos intelectuais entre eles, vários educadores críticos do campo dos estudos curriculares.

Inicialmente, Freire não tinha ideia de sair do Brasil e projetar-se no cenário internacional. Sua saída foi consequência da situação política, decorrente do Golpe de Estado de 1964, que levou à sua prisão e a ser interrogado diversas vezes pelo Regime Militar.

Entretanto, Freire foi capaz de transformar a experiência do exílio em uma oportunidade de crescimento pessoal e intelectual. Nessa perspectiva, vivendo fora do país, Freire não se conforma em viver do passado, apenas em função de suas memórias, mas usa sua identidade de brasileiro, nordestino, educador, para “ler” os novos contextos em que vive e a redimensionar seu projeto de vida.

Ao aproveitar as oportunidades que apareciam em seu percurso, torna-se autor, educador e pessoa internacionalmente conhecida, com grande projeção na área dos estudos curriculares e da pedagogia crítica.

A experiência internacional de Freire inicia-se com seu exílio político, depois do golpe militar de 1964, quando muitos intelectuais e professores de Esquerda foram presos e exilados por causa da censura e perseguição política. Para um homem que nunca havia deixado o Brasil, a experiência de viver no exílio foi particularmente difícil, principalmente no início, quando viveu na Bolívia e posteriormente no Chile.

Com base nos relatos feitos em Pedagogia da Esperança, Freire passa a se considerar andarilho do mundo quando começa a visitar outros países. Essa experiência de viver em outros países, em outros contextos culturais e econômicos, torna-se objeto de reflexão crítica do próprio Freire, ampliando seus referenciais de análise das diferentes situações de vida das classes trabalhadoras. O termo “realidade de empréstimo” é adotado a partir de uma conversa com Álvaro Vieira Pinto (outro exilado político).

Com base nos comentários de Álvaro Vieira Pinto e escrevendo sobre sua experiência, ele contrasta o que denominou de “contexto de origem”, sua experiência brasileira, com o “contexto de empréstimo”, sua experiência de viver fora do país. Freire toma o novo contexto como objeto de reflexão, mostrando como ele ampliou sua perspectiva levando a uma revisão de seus conceitos teóricos. A partir da experiência internacional começa a adquirir uma nova visão sobre o Brasil e, ao mesmo tempo, a estabelecer relações entre as experiências dos trabalhadores nesses diferentes contextos.

Sua permanência no Chile, tendo contato com sindicalistas e trabalhadores, redefiniu sua tese, Educação e Atualidade Brasileira, publicada como livro intitulado Educação como Prática da Liberdade e ampliou sua reflexão para a finalização do texto da Pedagogia do Oprimido, que termina de rever no Chile. Sua permanência nos Estados Unidos em contato permanente com trabalhadores e intelectuais, assim como sua experiência no Conselho Mundial de Igrejas, possibilitaram a Freire ter contato com outros países e realidades diferentes. Nessas constantes viagens, Freire é influenciado pelo contexto internacional assim como influencia muitos intelectuais entre eles, vários educadores críticos do campo dos estudos curriculares.

Apesar de inicialmente se sentir em um “contexto de empréstimo”, Freire começa a se dar conta de que nesses países havia muitos traços culturais e problemas sociais em comum com o Brasil e se mostrou aberto a ampliar sua perspectiva de vida e trabalho a novas experiências, manteve-se sempre aberto a ouvir e a reconsiderar seus pontos de vista. Dessa forma, Paulo Freire pôde relacionar o conhecimento obtidos nos “contextos de empréstimo” para construir pontes entre seu trabalho e o trabalho social e político desenvolvido internacionalmente, traduzindo sua experiência baseada na realidade do nordeste brasileiro nos mais diversos contextos, díspares mas tendo vários pontos em comum.

O exílio abriu assim novas oportunidades para ele. A experiência de Paulo Freire no Chile, na alfabetização de adultos, de 1964 a 1969, representou um período muito frutífero em sua vida. Essa experiência foi tão importante como foi o período anterior no Brasil, pois foi durante o exílio no Chile que ele se tornou uma figura importante na América Latina.

No Chile, Freire trabalhou no Instituto de Capacitación e Investigación em Reforma Agrária (ICIRA) no seu terceiro ano de permanência no país. Nessa época, decidiu escrever e discutir os textos sobre os temas que seriam abordados nos encontros de capacitação. Além de escrever, tinha o hábito de discuti-los com amigos com quem trabalhava no ICIRA.

Essa troca de ideias foi essencial para suas reflexões, compartilhando experiências e aprofundando suas análises com interlocutores engajados no mesmo contexto. Isso certamente marcou sua posição quanto à importância do diálogo na experiência pedagógica que encontramos em suas obras posteriores.

Freire levou um ano ou mais falando sobre o livro PO com amigos e discutindo em cursos que dava. Nesse período que podemos denominar de “oralidade do livro”, recebeu o primeiro convite para visitar os Estados Unidos, em 1967, tendo sido convidado para visitar Nova York pelo Padre Joseph Fitzpatrick e pelo Monsenhor Robert Fox. Essa visita foi proposta pelo importante pedagogo Ivan Illichiii, que conhecia os dois religiosos e achou que seria importante para eles o contato com Freire. Com efeito, para Freire essa visita foi extremamente importante, pois pode observar o trabalho que esses religiosos realizavam com os imigrantes porto-riquenhos e com os negros, que eram grupos discriminados.

Ele viu que havia muita semelhança entre esse trabalho e o que ele desenvolvera no Brasil. De volta ao Chile, Freire continuou o que chamou fase de gestação da PO, começando a escrever ideias em fichas para desenvolver reflexões mais elaboradas. Depois de certo tempo, as “fichas de ideias” terminavam por tornarem-se fichas geradoras de novas ideias e de outros temas. A partir desse trabalho artesanal de reflexão, de revisão e de aprofundamento de suas próprias ideias, em julho de 1967, Freire escreve os três primeiros capítulos da PO.

Tendo terminado de datilografar o texto, entrega ao seu grande amigo que estava também no Chile, Ernani Maria Fiori e lhe pede para que escreva o prefácio. No mesmo dia em que Fiori entregou de volta o texto com o prefácio, Freire resolve deixar o texto “descansar” por mais dois meses, quando resolve então escrever um capítulo a mais, o quarto capítulo.

Mesmo sabendo que o livro não poderia ser editado no Brasil, Freire envia o texto datilografado para Fernando Gasparian, diretor da Editora Paz e Terra. Nessa época, em 1969, quando a situação no Chile estava se tornando incômoda, Freire recebeu quase ao mesmo tempo ofertas para ensinar na Universidade de Harvard (Harvard University) e para trabalhar no Conselho Mundial de Igrejas (World Council of Churches, WCC), em Genebra. O teórico do desenvolvimento Denis Goulet foi responsável pelo convite para Harvard. Freire, anos mais tarde, descreveu sua decisão de aceitar ir aos Estados Unidos (por um tempo menor do que lhe foi oferecido) e depois aceitar o trabalho no Conselho.

Freire torna-se um autor internacional a partir, principalmente, da publicação de três documentos: (I) suas palestras em Harvard publicadas em dois artigos, na Harvard Educational Review, nos números de maio e agosto de 1970; (II) esses dois artigos dão origem a uma monografia, publicada pelo Center for the Study of Development and Social Change (Centro para o Estudo do Desenvolvimento e Mudança Social) em livro intitulado Cultural Action for Freedom, em Cambridge, Massachusetts, em setembro de 1970; (III) a obra Pedagogia do Oprimido foi inicialmente publicada em inglês, em 1970, pela editora Herder and Herder, em Nova York (FREIRE, 1992) e somente mais tarde em português, no Brasil, em função da censura.

A Pedagogia do Oprimido, sua principal obra, tem suas raízes nas experiências de vida de Paulo Freire. Os temas abordados foram educação bancária e libertadora, método dialógico; e o modo como desenvolveu a análise desses temas e suas propostas reflete diretamente sua experiência do exílio, inicialmente, e posteriormente como professor e pesquisador nos Estados Unidos.

O trabalho em Genebra trouxe novas experiências e novos desafios, uma vez que não se tratava mais de lecionar apenas, mas de participar de projetos de política educacional em países em desenvolvimento, levando-o a conhecer novas propostas e novas práticas. De acordo com Andreola e Ribeiro (2005, p. 107), “o trabalho no Conselho Mundial de Igrejas abriu para Freire um espaço sem limites para projetos de ação educativa em todos os continentes, mas sobretudo por sua opção política em vários países africanos que estavam se libertando do colonialismo”. Sua atuação no Conselho permitir que sua proposta libertadora e sua obra adquirissem dimensões universais tornando Freire uma figura amplamente reconhecida internacionalmente.

A partir dessas experiências profissionais em contextos internacionais, Paulo Freire amplia sua reflexão teórica sobre os problemas da educação e da perspectiva da opressão nesses diferentes e é convidado a publicar em língua inglesa. A partir daí sua influência se consolida e ele pôde expandir dos seus contextos de atuação profissional, sendo lido por autores que tinham uma perspectiva crítica, principalmente na área do currículo,  principalmente nos Estados Unidos. A publicação em Inglês de suas obras, vinculada à relevância e originalidade da forma e conteúdo de suas reflexões, contribuíram para que ele fosse se tornando um autor internacional.